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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Todos consumidores, todos vendedores

Abre mais portas e venderás mais.No futuro seremos simultaneamente consumidores e vendedores. Ser consumidor é já presentemente uma inevitabilidade mas que gradualmente tende a radicalizar-se à medida que se assiste a uma crescente mercantilização da sociedade e do individuo. Seremos também vendedores porque, se actualmente tal é uma opção, no futuro será igualmente uma inevitabilidade dada a exigência do consumo que forçará a uma procura cada vez maior de formas de rendimento suplementar além daquela proporcionada pelo emprego.

Além dos pequenos stands pré-fabricados que invadem os átrios e corredores dos centros comerciais, a imagem quase caricatural do individuo anónimo sentado a uma pequena secretária improvisada debaixo da escada de acesso a uma estação de comboios, a vender qualquer coisa facilmente identificável, não é já tão pouco frequente como isso nos dias que correm. Os produtos de telecomunicações são cada vez mais vendidos desta forma ou através das vendas porta-a-porta por essas mesmas pessoas anónimas, muitas vezes deficientemente preparadas para responder a questões sobre os produtos que vendem. Tratam-se de vendedores descartáveis, característica já observada entre os vendedores das grandes lojas que utilizam mão de obra pouco especializada e até mesmo sazonal. A precariedade do emprego, os baixos salários e fracos incentivos levam a que o próprio funcionário/vendedor não se fixe nem crie relações de fidelidade para com a loja, não chegando por isso a adquirir um conhecimento profundo do que vende porque tal não compensa ou nem chega a estar na loja o tempo necessário de modo a atingir o conhecimento que inevitavelmente lhe traria a experiência. Se repararmos, sempre que voltamos a grandes lojas de electrodomésticos e material tecnológico encontramos quase sempre novos funcionários e se lhes colocarmos algumas questões ou pedirmos uma opinião sobre os produtos expostos, rapidamente nos apercebemos que muitas vezes sabem menos sobre estes que nós próprios.

Fora deste circuito tradicional de venda que são as mega-stores, são as empresas proprietárias dos produtos de telecomunicação de largo consumo conseguem oferecer comissões minimamente tentadoras e que alimentam a nova vaga de vendedores de vão de escada. Os produtos subscritos pelos clientes obrigam sempre a períodos de fidelização que garantem um retorno garantido e assim a possibilidade da proliferação deste tipo de vendedores. Por outro lado, tratam-se de produtos de grande consumo, amplamente divulgados pelos media não sendo necessárias habilitações especiais ou o tal conhecimento profundo do produto que estes vendedores também não possuem.

Já relativamente aos produtos de compra por impulso, encontram na internet um terreno fértil para o surgimento de outra vaga de vendedores através dos sistemas de afiliação onde o dono do produto paga uma comissão sempre que se concretize uma venda através do site do vendedor ou o comprador seja direccionado através deste site para a página do dono do produto. Este tipo de vendedor necessita de ter um conhecimento praticamente nulo dos produtos que vende, antes um maior conhecimento de técnicas de marketing de internet para divulgar o seu próprio site e em consequência os produtos que anuncia nas suas páginas. Além obviamente de ser capaz de produzir conteúdos dentro do tema do seu blog ou site que não têm de necessariamente estar relacionados com os produtos que anuncia mas antes serem capazes de fidelizar leitores, ao mesmo tempo consumidores do seu site e do que nele está publicitado de forma mais ou menos explicita.

Os negócios multinível são a outra vaga de vendedores, mais tradicional, que paralelamente desenvolvem a sua actividade tanto online como offline, exigindo uma maior pró-actividade, tanto ao nível do conhecimento do produto, do marketing e até da psicologia. São pessoas a quem lhes foi vendida uma ideia ou um produto e cujo retorno do dinheiro gasto com essa aquisição, ou o retorno fixo que esse negócios pode gerar para si, tem necessariamente de esta dependente do números de pessoas a quem venda esse mesmo produto, incentivando essas pessoas a vender a outros e assim sucessivamente.

Apesar do multinível não ser uma forma de vender nova, com características próprias do marketing viral, e por vezes servindo de mascara a esquemas piramidais, é ainda relativamente desconhecida para uma grande parte da população. Surgem constantemente novos negócios que, e aqui surge a novidade impulsionada pelo surgimento da internet, não têm de estar necessariamente associados a produtos palpáveis. Vendem-se também ideias e promessas que tantas vezes não passam de ilusões e esquemas já predestinados a um fim que um consumidor mais atento, poderá adivinhar. O talento do vendedor, a capacidade deste em perceber a psicologia do comprador é pois fundamental neste tipo de negócio. São já muitos os vendedores profissionais, pessoas que vivem exclusivamente dos rendimentos dos negócios multinível e do efeito bola de neve nos rendimentos que estes são capazes de proporcionar. São vendedores muito diferentes dos vendedores de rua que não têm outra hipótese que não seja vender produtos que venham realmente ao encontro da necessidade (ainda que tantas vezes crida) do consumidor.
O marketing multinível criou pois uma nova vaga de vendedores que já não vendem apenas produtos, antes os próprios negócios multínivel que constantemente chegam ao mercado, vendem a própria necessidade do comprador se transformar também ele num vendedor.

O fenómeno da explosão demográfica dos vendedores não se cinge aos exemplos acima enumerados. O empreendorismo, franshising, a ideia quase nirvanica de sermos os patrões de nós próprios, não trabalharmos nem criarmos riqueza para terceiros mas sim para nós mesmos, não estarmos sujeitos aos espartilhos que um emprego tradicional com horário fixo tem, ganham cada vez mais adeptos. Não deixarão de ser vendedores, não deixarão de ter de trabalhar por vezes o dobro até atingir esse quase extasiante estado da perfeição que é viver dos rendimentos, ter um negócio, uma máquina de fazer dinheiro que se auto-sustenta com apenas uma supervisão mínima. Não é uma ilusão, essas máquinas bem oleadas de fazer dinheiro existem, esses negócios que dão um conforto financeiro que todos buscam, existem, estão constantemente a surgir e os exemplos são inúmeros e fazem sonhar milhões de pessoas em todo o mundo. Esses sonhos tantas vezes eles próprios mercadoria vendida em múltiplos negócios/esquemas na internet que anunciam serem sempre a ‘next big thing’, virem a ser grandes corredores quando na realidade, tantas vezes não são sequer capazes de gatinhar.

Em ultima instancia, todos somos já hoje em dia vendedores desse produto essencial à nossa sobrevivência que é o “eu”, o Eu, SA., o individuo como empresa que vende o seu trabalho, o seu conhecimento, o seu ser social, por vezes até o seu corpo, por vezes a sua própria dignidade porque, como já acima dissemos, assistimos a uma mercantilização de tudo. Tudo pode ser vendido, tudo pode ser comprado.

Não resisto a transcrever aqui um extracto de texto de Gilles Lipovetsky presente no seus livro “A Era do Vazio” (Relógio de Água, Editores) e que em grande medida vem ao encontro do que aqui escrevi e do destino de todos nós.
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A recessão presente, a crise energética, a consciência ecológica não são o toque a finados da sociedade de consumo: estamos destinados a consumir, ainda que de outro modo, cada vez mais objectos e informações, desportos e viagens, formação e relações, música e cuidados médicos. É isso a sociedade pós-moderna: não o para além do consumo, mas a sua apoteose, a sua extensão à esfera privada, à imagem e ao devir do ego chamado a conhecer o destino da obsolescência acelerada, da mobilidade, da desestabilização.
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